Há uma tradicional história sufi que fala do dia em que o pacato Nasrudim estava no gramado de sua casa procurando suas chaves quando chegou o leiteiro que, sensibilizado com o ar atônito do companheiro, interrompeu seu trabalho para ajudá-lo na busca. Após quinze minutos, a vizinha simpática e solícita vendo a cena se juntou aos dois que, em pouco tempo, haviam também recebido a adesão do jornaleiro, do quitandeiro e de passantes casuais. No fim do dia, havia uma verdadeira multidão vasculhando o jardim e ninguém encontrava vestígio das chaves, quando um dos participantes do mutirão se lembrou de perguntar “mas Nasrudin, você tem certeza de que perdeu as chaves no jardim?” ao que este respondeu direto e certeiro, como um boxeador, “tenho certeza de que foi dentro de casa que as perdi”; o leiteiro exclamou irritado “mas por que procurá-la aqui então?!” E Nasrudin respondeu à platéia estupefata “procuro-a fora de casa por lá dentro estar muito escuro”.
Todos riem dessa história quando a escutam, pensando-a como uma anedota de um tolo, ou uma historia nonsense. Não nos damos conta de que é o que fazemos constantemente. Cansamos de procurar fora de nós o que está dentro, por que nos parece mais fácil procurar por lá, mesmo que isso torne impossível encontrar. Costumamos procurar a felicidade e a chave de todos os problemas do lado de fora; costumamos procurar a solução para os impasses pessoais e os da coletividade onde eles não podem ser resolvidos.
Talvez seja por isso que tantos tentam salvar o mundo com discretos ou hercúleos esforços e ele continua, insistentemente, cada dia mais perto da destruição das condições de vida humana. E nos perguntamos: onde falha o esforço de tantas pessoas bem intencionadas? Em caras reuniões internacionais tentam-se legislações que impeçam a emissão de gases e o desmatamento, ensaiam-se acordos objetivos que freiem as mais diversas formas de destruição do habitat natural da vida…
O engano está exatamente no foco em providências objetivas. É mais fácil imaginar que com legislações e tratos sociais vamos resolver o problema. Mas para resolvê-lo é preciso saber antes onde ele se origina e assim, conseguir tratá-lo desde a raiz.
Quem destrói a vida certamente é o homem, isso, todos concordam. Então por que não começar por tentar entendê-lo?
O homem viveu cerca de quatro milhões de anos como caçador coletor. Ou seja, sobreviviam melhor os que tivessem capacidade de correr atrás de suas presas. Era uma questão de sobrevivência. Quatro milhões de anos criando um instinto, o de caçador. Nos últimos dez mil anos, com o surgimento gradativo da civilização, os mais preparados para sobreviver passaram a ser, aos poucos, aqueles que possuíam terras. Seres sedentários passaram a mandar no planeta. Mas, o que foi feito do instinto de caçador?
Nada. Ele continua onde sempre esteve. Nas entranhas e nas garras do ser humano, que ainda não sabe como lidar com ele nas novas circunstâncias. Por vezes esse instinto surge no rapaz que trata agressivamente a moça que passa por ele, tentando fazer dela sua caça; por vezes quando uma pequena multidão resolve linchar um menino que assaltou uma casa; outras vezes numa torcida que se degladia com outra no estádio, ou em um louco que joga um avião sobre o prédio do “inimigo”. Ou muito comumente, em rapazes que se armam de fuzis nas comunidades carentes e assaltam e aterrorizam, cirando um pandemônio para todos.
O instinto de caçador quer ver sangue. É só reparar o quanto reúne curiosos um acidente de automóvel ou uma pessoa morta estirada na rua para constatarmos o quanto a morte mobiliza os passantes.
O instinto do caçador se transformou em um instinto destruidor. E, se manifesta – consciente ou inconscientemente – nos mais diversos níveis. É ele quem está por trás do impulso auto-destrutivo do homem. É ele quem está por trás também dos pequenos ou grandes desrespeitos cotidianos à natureza.
Se quisermos desarmar a bomba, precisamos ir até ela. Só com o entendimento dos meandros da subjetividade seremos capazes de reverter o sentido que temos dado ao nosso “impulso evolutivo”. Só mergulhando mais fundo em nós mesmos do que as raízes do comportamento destrutivo, poderemos inverter o processo. Só com a popularização de todas as terapias, métodos de autoconhecimento, técnicas de meditação e etc, poderemos sensibilizar o homem. E, uma vez sensibilizado, o homem capaz de sentir verdadeira e plenamente a fragrância de uma rosa, dificilmente será capaz de apertar o botão de uma bomba atômica. O homem de plena sensibilidade respeita o meio ambiente não porque aprendeu que isso é o certo, ético ou por que a lei manda, ou por querer ser “direitinho” com a sociedade. Ele respeita as sensibilidades em volta, por que se identifica com elas. Ele respeita a vida por que pode tolerá-la em si, por que pode desfrutá-la plenamente.
A verdadeira revolução, se possível for, não se dará pelas armas, mas pela compreensão. E essa virá do empenho individual – e intransferível – de cada um por conhecer e pacificar o seu universo interno. O dia em que estivermos equilibrados internamente, nossos atos certamente contribuirão para o equilíbrio externo.
Se você é uma das almas sensíveis com desejos sinceros de salvar o mundo, comece por salvar a si mesmo e terá feito muito. Comece por fazer uma revolução interna. Por mergulhar nas profundas águas de seu mundo subjetivo, e permitir que as coisas aí dentro se ordenem. E, você vai se surpreender em como muitas e tantas outras coisas começarão a – espontaneamente – se ordenar em volta de você. Essa maneira pode parecer trabalhosa, longa, desafiante e até perigosa, mas é a única capaz de realmente mudar – para melhor – a sua vida e a do planeta.
Não percebemos, mas o que fazemos com o planeta é o que fazemos conosco mesmos. Se não desarmarmos o que há de belicoso em nosso espírito, continuaremos, consciente ou inconscientemente, rápida ou demoradamente, a colaborar com a destruição do planeta. Trabalhe a si mesmo internamente e você se perceberá dando a melhor contribuição que pode dar por um mundo e uma vida melhor.
Pedro Tornaghi
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