quinta-feira, 12 de março de 2015

CONVIDO-O A PERCORRER TODO O CAMINHO ATÉ AO CORAÇÃO DO PURO SER

As perguntas que me fazem com mais frequência referem-se às emoções. Muita gente procura livrar-se de emoções difíceis como raiva, medo e mágoa, e buscam emoções mais agradáveis como alegria, felicidade e êxtase. As estratégias comuns para obter felicidade envolvem tanto a repressão como a expressão das emoções negativas na esperança de serem tiradas de vista ou descartadas. Infelizmente, nenhuma dessas estratégias reflete a verdade do nosso eu inerente, que é uma inabalável pureza de ser, que existe mais fundo do que qualquer emoção e permanece inalterada por qualquer emoção.

Certamente há momentos em que é adequado reprimir ou expressar uma emoção. Mas há também uma outra possibilidade: nem reprimir nem expressar. Chamo a isso de “vivência direta”.

Vivenciar diretamente uma emoção não é negá-la nem chafurdar nela, e isso significa que pode não existir nenhuma história dela. Pode não existir um enredo sobre com quem ela está acontecendo, por que está acontecendo, por que não deveria estar acontecendo, quem é responsável ou a quem se deve culpar.

Em meio a qualquer emoção, supostamente “negativa” ou “positiva”, é impossível descobrir-se o que está no âmago. A verdade é que, quando você realmente vivencia uma emoção negativa, ela desaparece. E quando você verdadeiramente vivencia uma emoção positiva, ela cresce e é interminável. Portanto, relativamente, há emoções negativas e positivas, mas sob investigação, só há positivas: eis a positividade que é a consciência absoluta. Como na nossa cultura não há muito que confirme esta revelação espantosa, passamos nossas vidas em busca de emoções positivas e fugindo das emoções negativas.

Quando você experimenta completamente uma emoção negativa, sem história, ela cessa de existir instantaneamente. Se você achar que está vivenciando completamente uma emoção e ela continuar bastante intensa, então reconheça que ainda há alguma história que se está contando sobre ela – como ela é grande, como enfim você conseguirá se livrar dela, como ela sempre volta, como é perigoso vivenciá-la. Qualquer que seja a história do momento, são infinitas as possibilidades de adiamento da vivência direta.

Por exemplo, quando você está irritado, a tendência comum é fazer algo para livrar-se da irritação ou colocar a culpa em si mesmo, em alguém ou em alguma outra coisa como causa da irritação. Então, começam a se desenvolver os roteiros da irritação. Na verdade, é possível não se fazer nada com a irritação, não a arredar da consciência ou tentar livrar-se dela, mas vivenciá-la diretamente. No momento em que surge a irritação, é possível simplesmente ficar completa, total e livremente irritado, sem expressá-la ou reprimi-la.

Geralmente, a vivência direta revela frequentemente uma emoção mais profunda. A irritação seja talvez uma ondulação na superfície. Mais fundo do que a irritação pode estar a raiva ou o medo. Mais uma vez, o objetivo é não se livrar da raiva ou do medo nem os analisar, mas vivenciá-los diretamente. Se sob a irritação se revelarem o medo ou a raiva, deixe que a sua consciência se aprofunde; deixe-se estar absoluta e completamente com raiva ou com medo, sem expressar nem reprimir.

O medo frequentemente é o maior desafio, porque ele é o que habitualmente a maioria das pessoas procura manter afastado. É claro, quanto mais tentam mantê-lo afastado, mais ele aumenta e assombra.

O que estou sugerindo é que você possa abrir-se de verdade para o medo; possa experimentar ficar com medo sem precisar sequer dizer que está com medo e sem seguir nenhum pensamento de estar com medo. 

Você pode simplesmente vivenciar o medo em si.

Quando falo em vivenciar diretamente o medo, não estou falando do medo fisiologicamente adequado. A resposta ao perigo, à luta ou à fuga fisiológica é natural e própria do organismo humano. Está geneticamente programada no corpo para a sua sobrevivência. Por exemplo, é conveniente sair do caminho de um ônibus que se aproxima. Mas os medos que sugiro sejam diretamente confrontados, por inteiro, do início ao fim, são os medos psicológicos, os medos que mantêm nossa energia desnecessariamente atrelada à proteção e defesa, como o medo da dor emocional ou os medos da perda ou da morte. Quando, ao invés de resistir ou fugir a ele, se acolhe um medo psicológico, este frequentemente revela uma emoção ainda mais profunda.

Sob o medo pode revelar-se uma profunda tristeza ou mágoa. Isso também pode ser vivenciado direta e completamente sem necessidade de uma historinha. Se você estiver disposto a experimentar essas camadas emocionais até o fim, finalmente deparará com o que parece um abismo profundo. Esse abismo é o que a mente percebe como o nada, o vazio, a vacuidade, o ninguém. Eis um momento importante, pois a vontade de ser absolutamente nada, de ser ninguém, é a vontade de ser livre. Todos esses outros estados emocionais são camadas de defesa contra esta vivência do nada – a morte de quem você acha que é. Uma vez derrubadas as defesas, uma vez aberta a porta, pode-se acolher completamente este nada que foi temido. 

Esta acolhida é a revelação da verdadeira auto-investigação, que revela a gema secreta da verdade que esteve oculta no âmago do seu próprio coração o tempo todo. O diamante descoberto é você.

Esta é uma descoberta imensa, mas você terá de descobri-lo por si. Se estiver disposto a vivenciar profunda e completamente qualquer estado emocional, você descobrirá no seu núcleo a mesma consciência imaculada que se encontra consigo mesma tanto como vivenciador quanto como vivenciado. Se puder descobrir esta verdade de primeira mão, você será libertado da fuga dos estados supostamente negativos e da busca dos supostamente positivos. Você se libertará tanto da rejeição como do apego ao que é intrinsecamente impermanente. Você estará liberto para verdadeiramente encontrar-se consigo mesmo e regozijar-se nesse encontro.

Qualquer emoção que surja na consciência pode ser completamente acolhida pela consciência, sem precisar esconder-se em histórias ou análise. Na sua disposição de não seguir os mecanismos da mente, mas de apenas ficar quieto e vivenciar qualquer emoção que surja, você verá que ela não é nada. As emoções se mantêm compostas pelo pensamento, quer esse pensamento seja consciente ou inconsciente.

Você tem o poder de parar simplesmente e dizer: “Medo, raiva, mágoa, desespero – tudo bem, venham”. 

Quando você diz “Tudo bem, venham” e você realmente quer dizer isso mesmo e está verdadeiramente aberto, a emoção não pode vir porque nesse momento você não conta uma história sobre ela. Eu o convido a verificar isso por si mesmo. O medo, a raiva, a mágoa só existem quando vinculados a uma história! Sim, isso é incrível, é simples, porém uma descoberta profunda e enorme! Na verdade você pode reconhecer que aquilo de que você foge, em realidade, finalmente não existe, e aquilo que você procura já está sempre aqui.

Quando Colombo e outros exploradores descobriram o “Novo Mundo”, todos eles voltaram e disseram: “Há muito mais coisas lá fora do que sabemos, a terra não é plana”. Mas muita gente respondeu: “Ah não, eu não vou lá. Os demônios marinhos vão me pegar. Eu vou cair da terra”. É com esse mesmo primitivismo que enxergamos nossas emoções. Se você estiver disposto a cair da beira da terra, verá que você mesmo sustenta a terra e não pode “cair de” si mesmo; só pode se aprofundar mais em si mesmo.

Na extremidade oposta do espectro, particularmente na subcultura espiritual ocidental, as pessoas estão bastante abertas a vivenciar suas emoções, porque isso lhes dá um sentido de profundidade e de liberdade. 

Mas isso pode se tornar uma capa para o medo de vivenciar qualquer emoção que seja. Definir-se como um ser emocional talvez seja um passo mais profundo do que você se definir como um ser puramente mental, mas assim não se terá percorrido todo o caminho para casa. O que você evita ao definir-se como um ser emocional é a ausência de emoção, o nada, a vacuidade. Uma vez que tenha experimentado a pura vacuidade, você sabe diretamente que quem você é não se pode definir por nenhum estado mental ou emocional, e este saber é liberdade.

Quando você não se define por estados emocionais, as emoções são livres para surgirem, porque elas não significam nada sobre quem você é. Você sabe diretamente que todos os estados simplesmente passam pelo espaço puro que é a sua verdadeira natureza.

Convido-o a percorrer todo o caminho até o coração do puro ser, não para se livrar de alguma emoção, não para dramatizar ou glorificar alguma emoção, mas para descobrir o que cada emoção exige, para morrer para quem você pensa que é antes que morra quem você pensa que é.

Gangaji